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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

No Lapso do Tempo - 9

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Agora que estou acordado, enquanto a luz entra no quarto em desalinho e todas as palavras que já foram ditas, lembram outras novas que apenas me trazem confusão, sorris. Dirias que do amor falam os livros, do abraço que nos une falamos nós, dos nós dos dedos apertados falamos nós, das palavras que conquistámos em silêncio falamos nós, agora que estamos acordados num relento abrigado junto ao coração quase infinito, juntamos os nós, o eu, o tu, a nossa imperfeita prisão perpétua.


[texto 2004, imagem 2010]

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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

No Lapso do Tempo - 8

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«Me pregunto en qué momento caminar se convirtió en un acto de escritura. Me detengo. Me pregunto cómo una acción tan cotidiana pudo llevarme paulatinamente a un emblanquecimiento interior. Porque eso es lo que sucede. Cuando camino me vuelvo blanco. Me vuelvo página. Nube de palabras. Blanda piedra que aguarda la tímida caligrafía del humus.»

Oscar Pirot

[imagem 2006]

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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

No Lapso do Tempo - 7

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Escuta este lugar onde as palavras não têm sombras, o tempo não separa nem significa nada, onde o tempo não planeja, não se move, não se entrega, onde o tempo não significa nada. É apenas um grão de terra, uma gota de água, uma réstia de ar, um castelo de memórias, uma montanha que se separou do tempo, uma gruta funda como o mundo onde se guardam os arquivos que teimam permanecer prisioneiros do passado, aqui e ali um sorriso, guardados nas toscas tábuas onde se guardam o que restará dum engavetado nesta terra húmida que pertence a um país distante, a um plano sem ponto de fuga, a uma ardósia que o manto verde do musgo tapará a seu tempo, quando o tempo se separar do tempo e estes nossos corações, de coisa nenhuma.

[texto 2004, imagem 2006]

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No Lapso do Tempo - 6

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Entrega

ou esconde, olha para o interior deste pedaço de terra, escuta como bate em uníssono o coração de todos quantos a ocupam, em sinal de convite, continuamente a reaprender, a marcar o ritmo dos seus ao nosso que um dia, talvez ontem talvez amanhã, fará da nossa sua companhia; escuta-os, sente como batem, como suavemente apelam aos tremores das nossas terras, como são serenos semelhantes às águas que correm nas cascatas, em espírito, como nos apelam, como nos chamam sem pressas, como nos apelam suavemente de que antes de naufragarmos, aproveitemos para nadar calmamente.


[texto 2004, imagem 2006]

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No Lapso do Tempo - 5

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Atormenta-me.

Segue os meus passos, ilumina a minha luminosa escuridão, aproveita para nadar calmamente, cerra os olhos, coloca-os nas minhas mãos vazias, Escuta os meus lábios, olha as minhas mãos em concha aguardando uma hóstia invisível, escuta-os, não temo a morte, amo a vida, pois enquanto não naufraga o meu corpo, aproveito para nadar calmamente no tempo que nada significa.


[texto 2004, imagem 2006]

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No Lapso do Tempo - 4

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Escuta.

Recorda as travessias de quem parou o tempo, recorda os sorrisos que transgrediram as orações sufocantes de quem chora os seus mortos, recorda os sorrisos que levaremos nos lábios no nosso último suspiro, como se fora vingança intima do choro e o grito que nos traz ao mundo, ao primeiro ar depois de tantas luas nas águas, nessa placenta que nos trouxe ao mundo e nos leva de volta, dessa terra que nos haverá de resguardar, que um dia será violada por caminhos, estradas e vias rápidas, que atormentarão o sangue da nossa terra, do barro que nos moldará, das videiras que serão enxertadas de vez, como de vez será enxertada a palavra do filho desse criador, talvez desorientado, talvez rogando por nós, filhos das cinzas que se espalharão pelo ar, prisioneiros da carne que transporta o nosso corpo ansioso, revoltado, desorientado com o tempo, desorientado pelo tempo que nada significa, que nada transpõem, que nada devolve.


[texto 2004, imagem 2006]

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segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

No Lapso do Tempo - 3

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Vou para onde não vejo senão as luzes de dentro famintas em si.

Adriana Bandeira

[imagem.2006]

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No Lapso do Tempo - 2

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[imagem.2006]

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No Lapso do Tempo - 1

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[imagem.2006]

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sábado, 17 de dezembro de 2011

Fragmentos da Casa Vazia - 2

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De resto (este estorvo na paisagem, esta casa) está vazia, e nem sei se notarás que a réplica do globo celeste de Schissler está rachada, não sei em que meridiano.
Aguardei muito para explicar o porquê, desfazer-me num pedido de desculpas, mas já nem sei o motivo, aguardei muito que reparasses nessa réplica de mil quinhentos e qualquer coisa, quando muito para perceber se o meu exílio é interior ou exterior, tentar encontrar o meridiano e remendá-lo para o mundo. Esse exílio que me molda duma forma “tão despida de emoção, de quem já viu tudo e tudo é uma imensa repetição”.


texto 2004 (citação - verso dos Clã) imagem 2007

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Fragmentos da Casa Vazia - 1

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Sinto muito, mas já não sinto nada.

Aguardo apenas o fim das novenas para abandonar o meu exílio que não me exijo perpetuar. Deixarei este nevoeiro cumprir os seus dias para que os meus passos possam cumprir o seu. Há muito que o aguardo, em silêncio, que esse caminho fique livre da geada, esse silêncio que já não conta, já não faz parte dos murmúrios que o teu chão traz. Deixarei, deixarei cada objecto onde o encontrei, quando cheguei ao teu pouco passo adentro, deixarei





O que não soube deixar intacto, ainda que conte devagar os dias que faltam para esse céu se enfeitar da chuva que me abençoará, não tenciono abandonar o meu silêncio neste nevoeiro que tinge estranhamente esta forma estranha de me abandonar.

Sinto muito,

Mas o pouco que resta de mim o pouco me prende a ti, e mesmo desse pouco já quase não resta nada. Entrei no jogo que apenas sei perder, entrei nessa bússola desorientada sem querer e já quase não resta nada.

Se perguntarem por mim, diz que fugi, que morri, que parti para outro lugar, outro corpo, outra terra inteira dentro de mim, e para e por mim, porque só assim sei que continuarei a viver…


texto 2004, imagem 2011

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quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

# 17 - Há muito, muito antes do antes (1991)

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Há muito, muito antes do antes,

antes mesmo dos fragmentos que pertenciam ao reino dos símbolos, inventámos o original. De cor, retratámos centenas de ambientes e outros tantos sóis, quase no seu poente, enquanto a difícil mão de Deus nos orientava, por dias inteiros, quase eternidades e por pouco chamar-nos-iam impressionistas, expressionistas, como se a criação fosse um condado do reino de istas. Em toda a parte existiam pequenos fragmentos de cor,

De cor, a manhã, solidamente incrustada na nossa pele enrugada. Quantos os retratos, o azul verde do céu, quantas as ansiedades das nuvens enquanto avistam um ténue avião, pássaro de metal azul do céu

Da cor, do eterno principiar a paixão, reescrita por palavras de ordens e cores misturadas de pequenos nadas.

Da cor, em nome de nada.


texto 1991, imagem 11.2011

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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

# 16

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«A noite importa pouco. O rectângulo de céu
sussurra-me todos os fragores e uma estrela miúda
debate-se no vazio, longe dos alimentos,
das casas, distinta. Não se basta a si mesma
e precisa de muitas companheiras. Aqui no escuro, sozinho,
o meu corpo está tranquilo e sente-se soberano.»

Cesare Pavese




imagem 11.2011

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# 15

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«"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...»

de Cântico Negro, José Régio





imagem 11.2011

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terça-feira, 13 de dezembro de 2011

# 14

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«Porque sei que o tempo é sempre tempo
E que o espaço é sempre o espaço apenas
E que o real somente o é dentro de um tempo
E apenas para o espaço que o contém»

T.S. Eliot





imagem 11.2011
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# 13

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na memória que se perpétua já os dias nascem velhos...




palavra e imagem 11.2011
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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

# 12 - Neblina

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«Estranho é caminhar na densa névoa:
Solitária esta cada planta ou pedra,
Nenhum arbusto enxerga o seu vizinho,
Cada um está só.
Cheio de amigos era, para mim, o mundo
Quando luminosa ‘inda era minha vida;
Agora que a névoa caiu,
Ninguém mais é visível.

Não é deveras um sábio
Quem não conhece a escuridão
Que, suavemente, nos separa
De tudo inexorável.

Estranho é caminhar na densa névoa:
Viver é estar solitário
Entre gente que se ignora.
Todos estamos sós!»

Hermann Hesse (Nebilna, trad. Álvaro Cabral)
gentilmente enviado por Andrea de Godoy Neto

imagem 12.2011

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# 11 - Peregrinatio

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«Regressamos a uma terra misteriosa
trazemos uma ferida
e o corpo ferido
imprevistamente nos volta
para margens mais remotas»

José Tolentino Mendonça





imagem: 12.2011
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# 10

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«Dia feito de tempo e de vazio:
desabitas-me, apagas
meu nome e o que sou,
enchendo-me de ti: luz, nada.

E flutuo, já sem mim, pura existência.»

Octavio Paz




imagem 12.2011
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sábado, 10 de dezembro de 2011

# 9

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fosse seixo, extensa a raiz ao céu

e tanto infinito até pode ser absurdo,
tantas distâncias, ponto por ponto, quase ausências,
são,
e no entanto, o que existe e aproxima
parece pronuncia da imensidão, um país
chamado chão




texto [não revisto] e imagem: 12.2011

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# 8

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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

# 7

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como se fora a palavra, também esta imagem, o momento, olhar esquecido na construção do dia, esta fotografia torna-se, a pouco e pouco, a ínfima porção do passo do caminhante, o esboço do caminho resgatado ao cada instante, meu…

imagem, palavras 12.2011

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# 6

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12.2011
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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

# 5 - já o risco é transparente

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já o risco é transparente,
e como tal, reclama
os vagos mares salgados, dois ou três por cada corpo dormente,
que foram feitos nuvem
pássaro sépia em abstracto céu azulado
só rasgo, rasto dum voo decente, desengonçado, ou até mesmo fútil
[e que assim seja!]
no risco imaginário do astro fóssil
guardado nas sete chaves do peito
já risco do risco de cá de dentro.






texto [inédito e não revisto] 12.2011 imagem 11.2011
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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

# 4

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«Entre os livros e o som
tão quase nada passa
corpo a corpo o universo

em cada célula só
uma caixa de sombra
resguarda na poeira

o tempo o tempo o tempo»

Vasco Costa Marques




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# 3

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«Nunca nos detemos no momento presente. Antecipamos o futuro que nos tarda, como para lhe apressar o curso; ou evocamos o passado que nos foge, como para o deter: tão imprudentes, que andamos errando nos tempos que não são nossos, e não pensamos no único que nos pertence; e tão vãos, que pensamos naqueles que não são nada, e deixamos escapar sem reflexão o único que subsiste. É que o presente, em geral, fere-nos.»

Blaise Pascal
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# 2

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# 1

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«Se viesse,
se viesse um homem
se viesse um homem ao mundo, hoje, com
a barba de luz dos
patriarcas: só poderia,
se falasse deste
tempo, só
poderia balbuciar, balbuciar
sempre sempre
só só»

Paul Celan
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